Os reality shows são um formato televisivo recente (se comparados aos formatos já existentes historicamente) e são também alguns dos mais combatidos por uma suposta "intelligentsia" cultural que os consideram banais, basais, e apelativos. Porém, se olharmos um pouco mais atentamente ao formato, seu espaço de existência e o tipo de ataque que sofre, podemos enxergar uma série de sentidos articulados pelos detratores que acabam por apontar para algo que nós aqui do Philosopop! defendemos com unhas e dentes. Os reality-shows do estilo: o Big Brother, A Fazenda, e O Trio (para citar os três mais relevantes no Brasil) são formatos NECESSARIA- E ESSENCIALMENTE televisíacos, e atacá-los é negar à televisão seu estatuto fundador.
Para tal argumentação ser feita, temos que primeiro estabelecer algumas das características que FUNDARAM a televisão quando esta surgiu e, a partir dessas, analisar como o funcionamento desses reality shows CUMPREM a missão televisíaca muito mais fielmente que a maior parte dos programas atuais.
O Estatuto Fundador da televisão
Para diferenciarmos a televisão do cinema ou teatro escolheremos uma estratégia positiva, afinal queremos saber o que é a televisão e não o que ela não é. Olharemos para seu momento fundador, quando ela se coloca como um meio de comunicação, pois é lá que surge sua essência (ao contrário da convergência à singularidade atual, onde ela, já estabelecida, começa a se misturar com outros meios).
Vejamos: a televisão essencialmente transmite imagens, sons e textos de um pólo central para receptores espacialmente diversos. Temos uma central de emissão e milhares de receptores que consomem os produtos midiáticos que a eles chegam. Já podemos sentir uma característica bem forte, afinal é a TV que chega às pessoas, sem que estas tenham que se deslocar para consumi-la. As TV's permitem a navegação individual por entre programas que são transmitidos em dados horários por canais e redes. (Lembramos mais uma vez que estamos olhando para a TV quando esta surge, obviamente). Antes do video cassette, tínhamos toda a programação ao vivo, como se o rádio e o teatro tivessem se juntado ao cinema para chegar às casas das pessoas. Esse "ao vivo" e essa "unidirecionalidade" da mensagem deram à TV esta dimensão tão ampla, global e autoritária. O advento do video cassette e da reprodução técnica de imagens e sons passados, e sua posterior re-transmissão, causa o cisalhamento igual ao que a fotografia causou na pintura (Benjamin)
Da televisão em si, começamos a enxergar na sua gênese a criação de formatos próprios, como o telejornal (pois atualizava, ao vivo, notícias E as mostrava visualmente, indo além do rádio). Tinhamos também a visualização dos anúncios (como um híbrido de revista e rádio) chegando às nossas casas. Porém, a TV não se restringia a formatos importados de outros meios: novelas e séries são cinema, assim como programas de reportagens são documentários. Os programas infantis são as matinées do cinema, com tias e tios pra cuidarem dos petizes. Humor, no Brasil, é basicamente o "balança mas não cai" do rádio, all over again.
Mas então surge uma produção que abre uma dimensão não-esperada e completamente pura no sentido "semiose televisíaca": os reality-shows. Para entendermos bem a diferença dos Reality Shows para o resto da programação precisamos primeiro distigunir dois tipos de reality-shows.
Duas categorias de Reality Shows
- os Não-sincrônicos: Troca de Família, No Limite, Top Chef, Rola ou Enrola, etc. São programas que são gravados anteriormente e não têm script per se, mas não são realities comme il faut. O produto já é editado, empacotado e resolvido antes de ir ao ar. Não há nada que o diferencie de uma reportagem do Globo Repórter ou Globo Esporte. ou até, de uma obra de ficção.
- os Sincrônicos: ou seja, reality shows de convivência, onde O JOGO ACONTECE DURANTE SUA TRANSMISSÃO. Nesses realities, temos um misto de "ao vivo" interno e "edição" diária. Os programas não irão ao ar DEPOIS, podendo ser editados de QQR jeito. Eles são editados à medida que as estórias se desenrolam...estão escravizados por essa coisa chamada "realidade". Não há como se re-filmar, ou re-fazer cenas. O que surge é o que temos para hoje. E por mais que possa haver manipulação nas PRÉ-condições de existência, aquilo que desenrola....bem, acontece. Não se pode reviver um segundo, um minuto, uma hora. O que se pode é correr atrás, tentar editar de maneiras manipuladoras aquilo que aconteceu, etc. Mas, mesmo isso corre o risco de implodir, com o live streaming e a internet e seu olhar atento.
Realities de Habitação, ou sincrônicos, são, como visto, os mais televisíacos dos formatos na TV. Eles existem nesse espaço contínuo e analógico do tempo vivido em 24 horas, fluxo contínuo. Não é como a novela, que é ficção, escrita e encenada, editada e empacotada pra consumo posterior. Os realities são a vida, e podem ser espaço para o inesperado e o inusitado. Quando a grade volta aos seus programas pré-preparados, a casa do Big Brother e a Fazenda e o Trio não param...Sua televida continua, suas imagens continuam sendo geradas. E como a TV no início, ela não se priva de interromper, causar e pulsar. Não é, como os seriados e programas de ficção, um filme em etapas, não é um teatrinho pré-preparado com fim em vista. O reality show de habitação está na mesma esfera que o programa de variedades, o esporte, e o telejornal. É algo IMINENTEMENTE televisivo E é por isso que esses reacionários anti-realities os odeiam tanto. Tratam-se de realidades que não se submetem às ficções pré-paradas nas caixinhas tão bem determinadas na grade da vida. A vida oferece personagens menos articulados que os reluzentes personagens de ficção. Os reacionários só aceitam o documentário, onde eles detém o falo do poder da fala. Os realities tiram esse espaço do documentarista e colocam no lugar outros, uma máquina talvez.